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Nómadas do Rio Candidatos a Património Imaterial Nacional

Os Avieiros foram responsáveis por um dos movimentos migratórios mais importantes em Portugal. Pescadores oriundos da Vieira de Leiria fixaram-se nas margens tranquilas e férteis do Tejo e do Sado quando os tempos no mar eram difíceis. Desenvolveram uma cultura única, a Cultura Avieira, que vai candidatar-se em junho a Património Imaterial Nacional e, depois, da UNESCO.

Foi no final do século XIX que se deu a grande vaga de migrações para as zonas ribeirinhas do Tejo e do Sado. Esta foi a época em que as dificuldades do trabalho no mar durante o inverno foram trocadas pela tranquilidade dos rios.

Com todo o seu potencial de recursos, o Tejo mostrou ser a solução para os problemas do inverno e dos ventos que impossibilitavam a entrada dos barcos para pesca no mar. Recusados pelo oceano, e pelas suas inconstantes condições, os pescadores viram-se obrigados a procurar sustento no rio, onde continuaram a trabalhar no que sabiam.

A dada altura, os movimentos migratórios começaram a ser menos frequentes e a fixação cada vez maior, acabando o papel de nómadas a partir de 1920. O crescimento da família e o facto de as viagens serem dispendiosas forçou estas gentes a fixarem-se nas zonas ribeirinhas do Tejo.

Estes pescadores, que desenvolveram uma cultura com uma riqueza muito própria, deixaram uma forte herança. Por isso, a Via Educação lidera o processo de candidatura da Cultura Avieira a Património Imaterial Nacional.

Para Maria de Lurdes Véstia, que trabalha com a Via Educação na área de promoção da Cultura Avieira junto de escolas das áreas do Tejo e Sado, "a avaliação e o estudo da Cultura Avieira devem ter uma perspetiva de cruzamento de várias disciplinas e de integração de saberes", procurando torná-la "intemporal".

Numa Europa crescente e com a unificação de culturas e uma heterogeneidade cultural cada vez mais misturada, "maior importância assumem as afirmações do que é característico de um local ou região" refere.

Por isso mesmo, a candidatura a Património Nacional "mantém-se e tem que ser entregue até 30 de junho de 2015" junto da Secretaria de Estado da Cultura. Quanto à candidatura a Património Imaterial da UNESCO, "será, possivelmente, entregue pela Entidade do Turismo do Alentejo e Ribatejo", afirmou Maria de Lurdes.

"Noites a fio no barco a pescar"

Conhecida como "os nómadas do rio", esta comunidade alojou-se ao longo das margens do Tejo. Os Avieiros desenvolveram a sua cultura nas povoações do Patacão (Alpiarça), o Lezirão (Azambuja), a Palhota (Cartaxo), o Arripiado (Chamusca), o Escaroupim (Salvaterra de Magos), a Ribeira de Santarém e as Caneiras (Santarém).

Estas aldeias ribeirinhas foram ocupadas, fundamentalmente, pelos pescadores que chegaram e construíram as casas palafíticas, suportadas em pilares de madeira para evitar as cheias de inverno. Algumas das povoações já não mantêm os traços originais e outras estão já desabitadas.
Ao início, quando começaram a chegar, os pescadores chegavam a morar nas embarcações. Depois, faziam casas com canas. Só mais tarde, com mais dinheiro, adquiriam tábuas para construírem habitações mais estáveis.

Vítor Tomaz, 83 anos, descendente de Avieiros e habitante desde sempre nas Caneiras, recorda este período.

"Ainda me lembro quando isto era só casas pequenas feitas de canas. Depois foram aparecendo uma aqui e outra ali já em madeira, mas quando eu era pequeno era tudo de canas, nem havia estradas".

Ele é um dos pescadores que passou, diz, "noites a fio no barco a pescar ao longo do rio". "Chegámos a passar noites e noites na pesca. Era o que precisávamos para viver", acrescentou.

"Quando era novo, ajudava sempre o meu pai na pesca. Íamos de noite, lançávamos as redes e remávamos à vez. Na terra, fazíamos e reparávamos os barcos e cosíamos as redes sempre que era preciso", afirma Tomaz, mostrando a multiplicidade de atividades que faziam.

Para além da pesca, estes homens foram ainda construtores das próprias casas e dos barcos que usavam para trabalhar. Os barcos eram feitos à mão, pintados e apetrechados pelas redes, também essas feitas pelos mesmos.

O 'Ti Bigodes', conhecido pelo longo bigode que usava quando era mais novo, diz que construiu muitos barcos. "Tanto meus como dos outros, ajudava sempre", refere ele, de nome Joaquim.

Também das Caneiras, diz ser "uma vida muito difícil. Não sabemos ler, não sabemos escrever. Tudo o que fizemos a vida toda foi pescar e trabalhar nisso".

A mulher, a venda e a roupa

Na família Avieira, a mulher era para além de mãe e esposa a companheira do pescador. Enquanto o homem lança as redes, era ela quem remava. Era também à mulher que cabia a venda do peixe.

Eulália, casada com Vítor Tomaz, lembra que chegou a ir "muitas vezes a pé, pelas ruas fora, para vender o peixe que o homem apanhava". Conta ainda que "a subida para a cidade era o pior, eram muito tempo descalça para ir para o mercado vender".

O traje, em terras da Lezíria, continuou fiel ao da Vieira de Leiria. Na mulher, lenço à cabeça, avental, saia e blusa, rodadas e em pregas de cores vivas e padrões axadrezados. Por baixo, a camisa branca e uma saia rendada.

No homem, uma camisa ao xadrez com padrões e cores vivas, a calça arregaçada e as ceroulas interiores. Na cabeça, a boina ao invés do barrete, camisolas e casacos de malha e um cinto de cabedal. Nos pés, como as mulheres, nada. Sempre descalços.

A importância desta comunidade é evidente se tivermos em conta "aspetos particulares da sua forma de vida e se verificarmos que, pela sua capacidade de adaptação, edificaram um património único", defende Maria de Lurdes Véstia.

In: RTP Notícias
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